A síndrome metabólica (SM) é um fator de risco complexo para doenças cardiovasculares e causa várias alterações metabólicas com obesidade abdominal, dislipidemia aterogênica, hipertensão arterial, resistência a insulina ou intolerância a glicose e outros e, é um potente e prevalente fator de risco não só para o desenvolvimento de diabetes tipo II (DM2) como também para doenças cardiovasculares.
Mesmo com a relação do risco às alterações metabólicas inerentes à doença, como triglicerídeos (TG) altos e níveis séricos de HDL baixos,não é certeza a sua relação com o quanto o risco é elevado .A esteatose hepática (EH), frequente na SM, tem sido avaliada como um possível marcador bioquímico de aterosclerose. Por apresentar os mesmos fatores que desencadeiam à SM, a EH confunde-se com essa condição e mostra a possibilidade de que aqueles indivíduos com SM e doença hepática gordurosa tenham um maior comprometimento do metabolismo lipídico, levando a maior probabilidade de aterosclerose. Para mensuração da carga aterosclerótica coronariana, e, por conseguinte, do risco cardiovascular, o escore de cálcio (EC) tem sido utilizado e demonstrou ser capaz de predizer múltiplos desfechos em pacientes com SM .
Após aprovação pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal do Paraná, sob número 1361.026/2007- 02, realizou-se um estudo, com 108 pacientes de um ambulatório de cardiologia, de ambos os sexos, portadores de SM, no período de 18 meses. Não participaram pacientes que estivão em uso de estatinas ou medicações potencialmente hepatotóxicas, ou ainda em tratamento por hepatites virais, autoimunes e por deposição de metais. Não foram incluídos, também, tabagistas, indivíduos que apresentavam doença coronariana ou sintomas sugestivos de coronariopatia e aqueles que faziam uso de etanol duas vezes por semana. Os pacientes passaram por uma avaliação clínica e laboratorial, na qual foram colhidos os dados antropométricos, avaliou-se a circunferência abdominal (CA) e investigou-se a presença de hipertensão arterial, dislipidemia, triglicerídeos elevados e HDL-colesterol reduzido. Em todos os casos, utilizaram-se como valores para essas variáveis aqueles níveis que o paciente apresentava antes de iniciar no ambulatório, estando, portanto, naquele momento, sem tratamento medicamentoso. Foram considerados válidos exames laboratoriais com até 6 meses antes da inclusão do paciente no estudo. Excluíram-se pacientes que utilizavam anti-hipertensivos ou medicações que atuam sobre os lípides quando da admissão ao ambulatório a fim de se quantificar valores de pressão arterial e dislipidemia sem influência farmacológica. Foram considerados normais os seguintes valores, de acordo com o critério empregado para diagnóstico de SM: TG abaixo de 150 mg/ dL, pressão arterial sistólica abaixo de 130 mmHg e diastólica abaixo de 85 mmHg, HDL-colesterol maior que 40 mg/dL para homens e 50 mg/dL para mulheres, além de glicemia menor que 100 mg/ dL. Para o LDL-colesterol considerou-se normal valores inferiores a 130 mg/dL. Finalmente, no caso da CA utilizou-se como critério de normalidade até 102 cm para homens e 88 cm para mulheres.
Após a seleção, cada paciente passou por uma tomografia computadorizada para quantificação de escore de cálcio (EC), um método para avaliação e mensuração de aterosclerose, e ultrassonografia abdominal para quantificação de EH. Na tomografia coronariana, o EC foi calculado como sendo a soma de todas as calcificações detectadas nos territórios coronarianos, a partir de cortes axiais tomográficos de 2,7 mm de espessura com incremento de 1,3 mm. Foi considerada calcificação a imagem de 2 pixels contíguos com coeficiente de atenuação maior que 130 unidades HU. A quantificação do cálcio foi realizada por meio do programa de computador SmartScore 4.0 . Esse valor foi transformado em percentil de acordo com idade e sexo, segundo normograma confeccionado para esse fim, através de classificação consagrada após exame em 35246 voluntários assintomáticos e sem doença coronariana conhecida.
A presença de EH foi dividida em graus I, II e III pelo radiologista. Foi considerada esteatose leve (EH I), um aumento mínimo na ecogenicidade hepática com visualização normal do diafragma e das bordas dos vasos intrahepáticos. Na esteatose moderada (EH II), além de um aumento moderado na ecogenicidade hepática, o paciente deveria apresentar visualização ligeiramente alterada dos vasos intrahepáticos e diafragma. Na esteatose grave (EH III) deveria haver penetração insuficiente do segmento posterior do lobo direito e visualização bastante deficiente ou nula dos vasos hepáticos e diafragma, porem essa separação deixou de ser necessária, tendo em vista a distribuição equivalente dos gêneros em cada um dos grupos analisados. Comparando-se os achados clínicos e laboratoriais conforme a presença e grau de EH, observou-se que, dentre as variáveis bioquímicas, apenas concentrações de HDL significativamente mais baixas estiveram presentes em pacientes com EH acentuada. Houve também uma relação direta de maior medida de circunferência abdominal com EH mais acentuada.
Analisando a esteatose hepática associada ao escore de cálcio percentual de pacientes com calcificação coronariana acima da mediana foi e maior à medida que o grau de esteatose aumentou. Dentre os pacientes sem EH, 21,21% apresentavam escore de cálcio acima do 50 %. Já dentre os casos com EH moderada e grave, 91,66% estavam acima da mediana no EC.

Na SM, há uma disfunção do metabolismo lipídico e glicídico. O fígado, por ser o órgão responsável pelo processamento dos ácidos graxos livres por meio de sua captação, oxidação ou metabolização, também sofre as consequências desse desequilíbrio que seria traduzida pelo aparecimento da EH. Mudanças estruturais e bioquímicas dos adipócitos parecem ser as maiores responsáveis pelo surgimento da SM, que demonstra sua relação com a EH. Alguns polimorfismos têm sido descritos na gênese da obesidade que, em conjunto com hábitos de vida inadequados, podem gerar o aumento da resistência adipocitária à insulina e uma maior liberação de ácidos graxos livres. A leptina, uma adipocina associada ao excesso de peso, parece ser responsável por maior oxidação dos ácidos graxos por tecidos sensíveis à insulina. No fígado, essa metabolização gera uma maior neoglicogênese, que é aumentada por um estado de hiperinsulinemia compensatória, que ocorre para tentar manter a homeostase da glicemia. Todos esses fatores contribuem para a deposição lipídica no tecido hepático. Além disto, na EH, algumas adipocinas também passam a ser secretadas pelos hepatócitos, instalando um permanente estado de inflamação hepática, que pode liberar fatores sistêmicos e pró-trombóticos, desencadeadores de progressão de aterosclerose e de ruptura de placa.
A presença de EH em uma população com aterosclerose estabelecida tem sido crescente. A EH é resultado de fenômenos bioquímicos que refletem a presença de fatores pró-trombóticos e desencadeadores de disfunção endotelial. É provável que, além de possível causa direta de disfunção endotelial e aterosclerose, a EH seja, mais provavelmente, um marcador bastante complexo de disglicemia e disfunções no metabolismo lipídico, o que a insere como possível marcador de aterosclerose.
Vale citar que a medida manual da circunferência abdominal foi, nessa amostra, mais eficiente para predizer gordura visceral (EH) do que o IMC, o que demonstra a validade de um método clínico de fácil acesso e que pode ser realizado por profissionais de saúde treinados. Além disso, o HDL-colesterol demonstrou associação significativa com EH, o que não ocorreu com a dosagem de triglicerídeos. Tal fato pode significar que essa mensuração é mais fiel do que a hipertrigliceridemia em identificar resistência à insulina.
Os estudos demonstraram o escore de cálcio como um preditor de eventos cardiovasculares e de mortalidade.O seu resultado permite inferir, mas não concluir, que a EH seria fator preditor de risco cardiovascular nessa amostra. Vale ressaltar que a exclusão de pacientes com sintomas de coronariopatia não garante a ausência de doença coronariana nessa população tendo em vista a não realização de coronariografia ou angiotomografia nos pacientes do estudo .
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